50 anos do 25 de Abril de 1974 – Mensagem do Presidente

Portugal percorreu 50 anos de transformação política e social. As mudanças foram transversais e profundas em todos os domínios da sociedade

“Celebramos hoje a liberdade, a igualdade, a democracia, a resistência e resiliência popular contra um regime autoritário. Celebramos o fim da opressão e da censura. Celebramos 50 anos do 25 de abril de 1974, da Revolução dos Cravos ou da Revolução de Abril.

 

Evocar Abril continua a dividir a sociedade portuguesa (divisão conveniente para alguns), numa tentativa de descontextualização, de fragilização ou, não menos relevante, de apropriação tendenciosa dos valores e princípios fundamentais desta revolução.

 

Em simultâneo, para mal da democracia, assistimos ao avanço galopante do populismo, do extremismo e, muitas vezes, até de um aparente anarquismo, espaços cada vez mais abrangentes que, numa lógica e evidente consolidação, nos colocam desafios e obrigações coletivas que dizem respeito a todos, mesmo todos.

Paradoxalmente, numa lógica manipuladora, todos reconhecem, de uma forma ou de outra, que a Revolução de Abril (ambiciosa vontade coletiva de mudar um país) resultou, efetivamente, num grande salto de desenvolvimento político e social do país e na consolidação da liberdade.

 

Nas cinco décadas que nos afastam desse relevantíssimo momento da nossa história coletiva, emergem agentes objetivamente impreparados, desconhecedores da realidade do país e dos portugueses, opinando vozerias, mostrando ser fortes com os seus concidadãos e fracos com os poderosos, tentando cristalizar as suas matizes ideológicas e neo-liberais ou, não menos vezes, generalizando uma condição de “Estado Corrupto”.

 

Em março deste ano, um inquérito para medir a nostalgia do antigo regime, entre os eleitores de vários partidos, surpreendentemente concluiu que os simpatizantes de um emergente partido político acham que, até 1974, Portugal estava melhor, que Salazar foi um dos melhores líderes da História e que até havia mais liberdade antes do 25 de Abril, assumindo como grande bandeira o combate à Corrupção.

 

Por isso mesmo, este momento não é apenas de celebração. É também de transmissão de valores e de demonstração das evidências do corporativismo e da burocracia da ditadura (que foram sempre terreno fértil para o suborno e para a corrupção), bem como da desigualdade social, completamente ignorada pelas classes altas que acomodavam o regime totalitário.

 

É o momento de disseminar, com toda a nossa energia, que não era ouro o que existia nos cofres de Portugal, mas sim fome, miséria, elevada taxa de mortalidade infantil, atraso da vida nos campos e na condição de mulher, falta de saneamento, analfabetismo (75% nas mulheres e 70% nos homens), atraso cultural, corrupção do regime, perseguição, terror, prisão.

 

É o momento de recordar que os 48 anos de ditadura não foram vividos da mesma maneira. Não se falava, não se estudava, não se trabalhava, não se comia a mesma coisa. A maioria dividia uma sardinha por três e os senhores do regime comiam cardumes inteiros. É tempo de recordar que muitos dos nossos concidadãos e familiares pertenceram aos grupos dos desqualificados, dos analfabetos e, que até morrer, assinaram de cruz. Recordar que as mãos de mais de 50% dos Portugueses se ocupavam exclusivamente das enxadas e dos tanques – mas os de lavar roupa. Que a função das Mulheres, avós e viúvas, era amanhar os campos dos senhores do regime para criar os filhos. Que poucos dos nossos familiares, nascidos em ditadura, concluíram a 4.ª classe. Que muitos dos nossos familiares se deslocavam a pé todos os dias, muitas vezes sem calçado nos pés. Que partilhavam o calçado para ir à missa. Que comiam a sopa de cavalo cansado porque não havia leite para todos e as crianças precisavam de força física para trabalhar. Que muitos dos nossos concidadãos e familiares emigraram para o desconhecido, muitas das vezes para o abismo… Que muitos dos nossos familiares não sabiam o que era política, mas viveram e fizeram parte da resistência.

 

Com a Revolução dos Cravos, Portugal percorreu 50 anos de transformação política e social. As mudanças foram transversais e profundas em todos os domínios da sociedade, mas, seguramente, a mais marcante foi a Implementação / Instalação do Poder Local. O Poder Local recebeu poderes e aceitou contínuos processos de descentralização e, com os mesmos, promoveu desenvolvimento sustentável, dinamizou a economia local, estimulou o empreendedorismo, a criatividade, a inovação e participação ativa dos cidadãos na gestão dos reduzidos recursos que lhe foram disponibilizados. Atualmente, o Poder Local recebe 12% das receitas da administração pública/Estado, o que continua bem distante dos 17% da média da Zona Euro.

 

Com a implementação e instalação das autarquias, Câmaras e Juntas de Freguesia, as comunidades locais passaram a ter maior autonomia para determinar as suas estratégias de desenvolvimento e garantir as decisões sobre temáticas que influenciaram diretamente as suas vidas e os respetivos territórios. Nesse sentido, assistimos a um aumento da participação democrática e a uma maior proximidade entre os eleitos locais e a população, garantindo intervenção política e social a todos os cidadãos, bem como coesão territorial e social.

 

Com a nossa ação, contribuímos, ainda, para o desenvolvimento e modernização do país, implementando políticas e programas municipais que qualificaram a vida das pessoas e promoveram o crescimento económico sustentável, bem como garantimos uma maior transparência e eficiência na gestão dos bens públicos, numa contínua prestação de contas aos nossos concidadãos.

 

Abril é assim, também, afirmação do Poder Local! O sucesso do cumprimento dos princípios mais nobres e fundacionais do movimento de Abril foi, sem dúvida, garantido pela ação e afirmação do Poder Local Democrático.

 

O Poder Local Democrático garantiu, ainda, a realização de necessidades básicas nos domínios do abastecimento de água, do saneamento básico e tratamento dos resíduos sólidos urbanos, da eletrificação dos territórios rurais, das vias de comunicação e transportes, dos equipamentos e serviços de saúde, da educação, da habitação, da Cultura e sustentabilidade financeira e ambiental dos Municípios.

 

Foi e é o Poder Local aquele que consegue aproximar homens e mulheres, jovens e menos jovens interessados no progresso das suas localidades. É assim, UM PODER único e INCLUSIVO.

Mas aqui chegados, o que interessa projetar para as atuais e futuras gerações?

Constitucionalmente estabelecida, mas continuamente adiada por centralismo e falta de coragem de todos os que tiveram assento parlamentar nos últimos 50 anos, a Regionalização é fundamental e inevitável acontecer, não por razões históricas ou sociológicas, mas por imperativo económico e social: o do desenvolvimento e da equidade do território e da população. Somos nós que temos que a fazer acontecer, não desarmar, estarmos vigilantes e reivindicar consistentemente ate à sua concretização.

 

Sermos vigilantes ativos da defesa dos valores de Abril e da Democracia. Em boa verdade, acontece com a democracia o mesmo que acontece com a segurança, a liberdade, a saúde e quase tudo o que tendo sido conquistado: damos por adquirido. A sua banalização tende a retirar-lhe valor e significado. Só por isso assistimos a discursos populistas que, terrivelmente, ganham espaço quase sem oposição. Entre as franjas do saudosismo autoritário, que confunde a ausência de transparência e de informação do passado com a inexistência de corrupção nesse tempo, o medo com a disciplina e o elitismo com a excelência, e as franjas dos que consideram que o 25 de Abril não se cumpriu, que vivemos numa espécie de ditadura e que até fazia sentido um novo “golpe militar” ou um regresso ao passado. E sim, não tenhamos dúvidas: existe um mundo de discursos e ações fáceis sobre o estado da nossa democracia.

 

Num espectro comunitário e social mais alargado, a comunicação social ganhou novas características em que, numa velocidade estonteante, a informação se confunde com o entretenimento. Os políticos são consumidos em grandes e pequenos escândalos (e não parece haver qualquer hierarquia entre eles), o que afasta qualquer cidadão medianamente ambicioso da vida política. A rapidez dos media é incompatível com a ponderação que a política exige. Por outro lado, as redes sociais vieram agravar o ambiente em que nos encontramos: disseminando o sensacionalismo, o imediatismo e não raras vezes, a mentira.

 

Por vezes, detemo-nos nas coisas que são necessárias melhorar no sistema democrático e esquecemos o progresso que alcançamos no sistema político, na cidadania, na economia, na demografia, na educação, na saúde, no ambiente, nas redes de transportes, nas comunicações, no acesso a bens e serviços, etc. As evidências abundam, mas precisamos evocar a memória do que fomos para melhor entendermos o que somos. Esta obrigação é muito importante, sobretudo para as crianças e jovens que, na escola, têm um espaço privilegiado para o seu crescimento como pessoas e como cidadãos.

 

Garantir a Inclusão Digital, promover a literacia digital intergeracional e intersocial e combater o analfabetismo digital entre as diferentes gerações é crucial para dar resiliência à nosso democracia. A tecnologia avança de forma disruptiva e é essencial que todas as pessoas, independentemente da idade e condição social, saibam navegar de forma segura e consciente no mundo digital. O perigo do analfabetismo digital entre as diferentes gerações não é apenas a falta de habilidades básicas para utilizar as ferramentas digitais de forma eficaz, mas também, e mais relevante, a incapacidade de interpretação, identificação e relacionamento com a disseminação de fake news / informações / notícias falsas. A exclusão social, a dificuldade no acesso a informações essenciais e até mesmo a vulnerabilidades no online são fortíssimos fatores de risco que importa descontinuar.

 

Para tal, só temos um caminho: promover a literacia, a inclusão digital intergeracional, garantindo que os mais jovens possam auxiliar os mais velhos no uso das tecnologias e, em simultâneo, os mais velhos podem transmitir-lhes as matizes de Abril e os seus referenciais sociais, condições absolutamente construtoras de pontes entre as gerações, fortalecendo os laços familiares, absolutamente estruturais na projeção da democracia e dos valores de Abril.

 

Nesse sentido, é essencial que todos nós nos mobilizemos para combater o analfabetismo digital, garantindo a todos os nossos concidadãos que tenham as habilidades, as competências necessárias para navegar no mundo digital com segurança e autonomia, construindo uma sociedade mais inclusiva e preparada para os desafios e acompanhamento do ritmo da sociedade moderna.

 

Criar um robusto ecossistema que garanta Coesão Social. A coesão social é fundamental para o desenvolvimento de uma sociedade justa e equilibrada. Para garantir essa coesão, é necessário continuar a implementar políticas sociais que assegurem o acesso de todos os cidadãos a direitos básicos, como habitação, saúde, educação, cultura e serviços sociais.

 

É papel do Estado e da sociedade, como um todo, trabalhar em conjunto para promover a coesão social e garantir que nenhum cidadão seja deixado para trás. Além das políticas sociais tradicionais, é importante também considerar a introdução de elementos como o ambiente urbano, a inovação e a criatividade como parte integrante das estratégias de coesão social. Um ambiente urbano bem planeado e assente em estratégias assertivas contribui para a melhoria da qualidade de vida dos nossos cidadãos, promovendo o seu bem-estar e a sua integração social.

 

Só as políticas sociais adequadas têm o poder de reduzir a pobreza, a exclusão, a vulnerabilidade e marginalização. Têm o poder de promover a igualdade de oportunidades, de garantir o acesso a serviços básicos como saúde e a educação, de proteger os grupos mais vulneráveis da sociedade, de fortalecer o tecido social e promover a solidariedade, a empatia, a cooperação e a construção de redes de solidariedade entre os cidadãos, bem como anular o descontentamento e a instabilidade social. Só através do apoio e ação mútua é que as comunidades se conseguem unir para enfrentar desafios comuns, combater as disparidades, construir um ambiente mais inclusivo e acolhedor e promover progresso para todos.

 

inovação e a criatividade, por sua vez, são elementos essenciais para o desenvolvimento económico e social de uma comunidade, de uma sociedade moderna. Ao incentivar a inovação, por meio de políticas públicas de apoio à pesquisa e desenvolvimento, impulsionaremos a geração de empregos cada vez mais qualificados e o crescimento económico sustentável, beneficiando, nesse sentido, toda a sociedade.

 

 Ao criar espaços urbanos inovadores e criativos, os territórios e as cidades estimulam o crescimento económico, promovem a inclusão social e melhoram a qualidade de vida dos seus habitantes. A inovação no ambiente urbano pode manifestar-se de diversas formas: desde a implementação de novas tecnologias para transformar os territórios e as cidades mais eficientes e sustentáveis, até à criação de espaços públicos que incentivam a interação social e a expressão artística.

 

A criatividade no ambiente urbano pode transformar espaços antes subutilizados em locais vibrantes e dinâmicos. A revitalização de áreas degradadas ou abandonadas pode não apenas melhorar a estética das cidades e dos territórios, mas também criar oportunidades para o desenvolvimento de novos negócios e a promoção da cultura local. É fundamental que todos nós, autoridades locais e sociedade em geral, reconheçamos a importância de introduzir o ambiente urbano, a inovação e a criatividade no planeamento e na gestão dos territórios. Ao implementarmos projetos que valorizam a diversidade cultural, fomentamos a economia criativa e promovemos a sustentabilidade ambiental, garantindo verdadeiros centros de excelência e progresso nas cidades e do país. Este é o dia de referência para abraçarmos esta mudança de atitude e transformarmos cada espaço do nosso concelho num espaço inovador e criativo onde todos vamos prosperar, alcançando o pleno potencial individual e coletivo.

 

Também a robustez da Literacia para a Cidadania é fundamental para promover uma sociedade moderna mais informada, participativa e consciente. Esta competência deve ser desenvolvida em todas as dimensões da vida dos nossos cidadãos. Não deve restringir-se apenas à dimensão política, mas abranger, de forma transversal, a dimensão digital, cultural, social, económica, educacional e de saúde.

 

Desconstruir a ideia de que a cidadania se resume apenas a protestos é fundamental para ampliar a compreensão do que realmente significa ser um cidadão ativo e responsável. A cidadania envolve o respeito pelas leis e normas, a solidariedade com os mais vulneráveis, o cuidado com o meio ambiente, a promoção da igualdade de género e de raça, a defesa dos direitos humanos, entre tantos outros aspetos essenciais para a construção de uma sociedade justa e democrática.

 

Limitando a cidadania apenas à participação em protestos, corre-se o risco de reduzir a atuação política dos cidadãos a momentos pontuais e muitas vezes conflituosos. É preciso expandir essa visão e incentivar a participação ativa em diversos espaços e contextos, seja na escola, no trabalho, na comunidade, nas instituições públicas ou na vida social.

 

Além disso, é importante ressaltar que a cidadania também envolve o exercício da empatia, da tolerância e do diálogo, elementos fundamentais para a convivência harmoniosa em sociedade. A capacidade de ouvir o outro, de respeitar o diferente e de procurar soluções coletivas são aspetos essenciais da cidadania que vão além da simples expressão de descontentamento em manifestações públicas.

 

Ser um cidadão ativo e engajado requer um compromisso constante com os valores democráticos, a ética e a justiça social. É preciso ampliar a nossa visão e assumir a nossa responsabilidade individual e coletiva na construção de uma sociedade mais justa e igualitária para todos. Contudo, não podemos ignorar que parte significativa da cidadania atual tem uma agenda pré-estabelecida, que nem sempre é do interesse de todos nós. É importante questionar e desconstruir essa agenda, de forma a garantir que os direitos e interesses de todos sejam realmente representados e defendidos. Desconstruir essa agenda significa questionar quem realmente beneficia das políticas em vigor, quem tem voz e vez nas decisões que nos afetam a todos. Significa também reivindicar a participação ativa de todos os cidadãos na construção de uma sociedade mais inclusiva e justa. Devemos questionar os privilégios e as injustiças presentes na nossa sociedade e lutar por mudanças que promovam a equidade e a solidariedade.

 

Os nossos concidadãos exigem, e é responsabilidade de cada um de nós, questionar o status quo, exigir mudanças reais e comprometer com a construção de um Portugal melhor para todos.

 

É importante reconhecer que, como membros de uma sociedade, temos a responsabilidade de participar ativamente na construção de um Portugal e Mundo melhor para todos.

 

Uma cidadania ativa implica estarmos cientes dos problemas e desafios que enfrentamos como sociedade e procurarmos soluções para as questões que nos preocupam a todos, que são de todos e não apenas de alguns. A cidadania também envolve a promoção da justiça social e dos direitos humanos. E, sim, devemos lutar contra todas as formas de discriminação. Todos devemos ter acesso igualitário a oportunidades de educação, emprego e saúde. Devemos ser conscientes das nossas ações e procurar formas de reduzir o nosso impacto no planeta, já que a preservação da natureza é essencial para garantir um futuro sustentável às próximas gerações.

 

Este é também o tempo de continuar a sonhar, de acreditar que somos capazes de construir uma sociedade aberta ao futuro, verdadeiramente desenvolvida, e que a cidadania participativa é capaz de transformar positivamente todo o nosso potencial coletivo.

 

Relembrar, recordar, celebrar, implantar os valores de Abril nas novas gerações é assumir e dar espaço ao imaginário sobre a ação dos Capitães de Abril e de um conjunto de outros militares, políticos e anónimos que contribuíram para o seu sucesso, mantendo a lucidez e a resistência a ações externas e radicais que, tal como no passado e hoje, mais não pretendiam e pretendem do que ignorar os Valores de Abril.

 

Importa reforçar que a Revolução dos Cravos continua a representar a esperança de um futuro melhor e mais justo e igualitário para todos nós, a significar progresso e desenvolvimento, dando voz a todos os portugueses, à democracia e aos valores da igualdade e da justiça, garantindo a liberdade de expressão e o direito à participação política.

 

Abril aconteceu para unir e não para desintegrar ou estabelecer hierarquias sociais e políticas. Não é um modelo de país ou sociedade acabado, porque o desenvolvimento e a igualdade estão continuamente em mutação. Importa que tenhamos memória, inteligência coletiva e audácia de dar continuidade a este processo e valor! Depende de cada um de nós, porque Abril não é de ninguém, continua a ser de todos.

 

Este é o momento de manifestar gratidão, respeito e honrar a memória daqueles que lutaram pela liberdade. É o momento para renovar e reafirmar o compromisso de defender os ideais democráticos que são a bússola do nosso país e um símbolo de esperança e inspiração para as gerações futuras. Juntos, continuaremos a cuidar e a projetar os valores de Abril. “

 

O Presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo

 

Luís Nobre

50 anos do 25 de Abril de 1974 – Mensagem do Presidente

Portugal percorreu 50 anos de transformação política e social. As mudanças foram transversais e profundas em todos os domínios da sociedade

“Celebramos hoje a liberdade, a igualdade, a democracia, a resistência e resiliência popular contra um regime autoritário. Celebramos o fim da opressão e da censura. Celebramos 50 anos do 25 de abril de 1974, da Revolução dos Cravos ou da Revolução de Abril.

 

Evocar Abril continua a dividir a sociedade portuguesa (divisão conveniente para alguns), numa tentativa de descontextualização, de fragilização ou, não menos relevante, de apropriação tendenciosa dos valores e princípios fundamentais desta revolução.

 

Em simultâneo, para mal da democracia, assistimos ao avanço galopante do populismo, do extremismo e, muitas vezes, até de um aparente anarquismo, espaços cada vez mais abrangentes que, numa lógica e evidente consolidação, nos colocam desafios e obrigações coletivas que dizem respeito a todos, mesmo todos.

Paradoxalmente, numa lógica manipuladora, todos reconhecem, de uma forma ou de outra, que a Revolução de Abril (ambiciosa vontade coletiva de mudar um país) resultou, efetivamente, num grande salto de desenvolvimento político e social do país e na consolidação da liberdade.

 

Nas cinco décadas que nos afastam desse relevantíssimo momento da nossa história coletiva, emergem agentes objetivamente impreparados, desconhecedores da realidade do país e dos portugueses, opinando vozerias, mostrando ser fortes com os seus concidadãos e fracos com os poderosos, tentando cristalizar as suas matizes ideológicas e neo-liberais ou, não menos vezes, generalizando uma condição de “Estado Corrupto”.

 

Em março deste ano, um inquérito para medir a nostalgia do antigo regime, entre os eleitores de vários partidos, surpreendentemente concluiu que os simpatizantes de um emergente partido político acham que, até 1974, Portugal estava melhor, que Salazar foi um dos melhores líderes da História e que até havia mais liberdade antes do 25 de Abril, assumindo como grande bandeira o combate à Corrupção.

 

Por isso mesmo, este momento não é apenas de celebração. É também de transmissão de valores e de demonstração das evidências do corporativismo e da burocracia da ditadura (que foram sempre terreno fértil para o suborno e para a corrupção), bem como da desigualdade social, completamente ignorada pelas classes altas que acomodavam o regime totalitário.

 

É o momento de disseminar, com toda a nossa energia, que não era ouro o que existia nos cofres de Portugal, mas sim fome, miséria, elevada taxa de mortalidade infantil, atraso da vida nos campos e na condição de mulher, falta de saneamento, analfabetismo (75% nas mulheres e 70% nos homens), atraso cultural, corrupção do regime, perseguição, terror, prisão.

 

É o momento de recordar que os 48 anos de ditadura não foram vividos da mesma maneira. Não se falava, não se estudava, não se trabalhava, não se comia a mesma coisa. A maioria dividia uma sardinha por três e os senhores do regime comiam cardumes inteiros. É tempo de recordar que muitos dos nossos concidadãos e familiares pertenceram aos grupos dos desqualificados, dos analfabetos e, que até morrer, assinaram de cruz. Recordar que as mãos de mais de 50% dos Portugueses se ocupavam exclusivamente das enxadas e dos tanques – mas os de lavar roupa. Que a função das Mulheres, avós e viúvas, era amanhar os campos dos senhores do regime para criar os filhos. Que poucos dos nossos familiares, nascidos em ditadura, concluíram a 4.ª classe. Que muitos dos nossos familiares se deslocavam a pé todos os dias, muitas vezes sem calçado nos pés. Que partilhavam o calçado para ir à missa. Que comiam a sopa de cavalo cansado porque não havia leite para todos e as crianças precisavam de força física para trabalhar. Que muitos dos nossos concidadãos e familiares emigraram para o desconhecido, muitas das vezes para o abismo… Que muitos dos nossos familiares não sabiam o que era política, mas viveram e fizeram parte da resistência.

 

Com a Revolução dos Cravos, Portugal percorreu 50 anos de transformação política e social. As mudanças foram transversais e profundas em todos os domínios da sociedade, mas, seguramente, a mais marcante foi a Implementação / Instalação do Poder Local. O Poder Local recebeu poderes e aceitou contínuos processos de descentralização e, com os mesmos, promoveu desenvolvimento sustentável, dinamizou a economia local, estimulou o empreendedorismo, a criatividade, a inovação e participação ativa dos cidadãos na gestão dos reduzidos recursos que lhe foram disponibilizados. Atualmente, o Poder Local recebe 12% das receitas da administração pública/Estado, o que continua bem distante dos 17% da média da Zona Euro.

 

Com a implementação e instalação das autarquias, Câmaras e Juntas de Freguesia, as comunidades locais passaram a ter maior autonomia para determinar as suas estratégias de desenvolvimento e garantir as decisões sobre temáticas que influenciaram diretamente as suas vidas e os respetivos territórios. Nesse sentido, assistimos a um aumento da participação democrática e a uma maior proximidade entre os eleitos locais e a população, garantindo intervenção política e social a todos os cidadãos, bem como coesão territorial e social.

 

Com a nossa ação, contribuímos, ainda, para o desenvolvimento e modernização do país, implementando políticas e programas municipais que qualificaram a vida das pessoas e promoveram o crescimento económico sustentável, bem como garantimos uma maior transparência e eficiência na gestão dos bens públicos, numa contínua prestação de contas aos nossos concidadãos.

 

Abril é assim, também, afirmação do Poder Local! O sucesso do cumprimento dos princípios mais nobres e fundacionais do movimento de Abril foi, sem dúvida, garantido pela ação e afirmação do Poder Local Democrático.

 

O Poder Local Democrático garantiu, ainda, a realização de necessidades básicas nos domínios do abastecimento de água, do saneamento básico e tratamento dos resíduos sólidos urbanos, da eletrificação dos territórios rurais, das vias de comunicação e transportes, dos equipamentos e serviços de saúde, da educação, da habitação, da Cultura e sustentabilidade financeira e ambiental dos Municípios.

 

Foi e é o Poder Local aquele que consegue aproximar homens e mulheres, jovens e menos jovens interessados no progresso das suas localidades. É assim, UM PODER único e INCLUSIVO.

Mas aqui chegados, o que interessa projetar para as atuais e futuras gerações?

Constitucionalmente estabelecida, mas continuamente adiada por centralismo e falta de coragem de todos os que tiveram assento parlamentar nos últimos 50 anos, a Regionalização é fundamental e inevitável acontecer, não por razões históricas ou sociológicas, mas por imperativo económico e social: o do desenvolvimento e da equidade do território e da população. Somos nós que temos que a fazer acontecer, não desarmar, estarmos vigilantes e reivindicar consistentemente ate à sua concretização.

 

Sermos vigilantes ativos da defesa dos valores de Abril e da Democracia. Em boa verdade, acontece com a democracia o mesmo que acontece com a segurança, a liberdade, a saúde e quase tudo o que tendo sido conquistado: damos por adquirido. A sua banalização tende a retirar-lhe valor e significado. Só por isso assistimos a discursos populistas que, terrivelmente, ganham espaço quase sem oposição. Entre as franjas do saudosismo autoritário, que confunde a ausência de transparência e de informação do passado com a inexistência de corrupção nesse tempo, o medo com a disciplina e o elitismo com a excelência, e as franjas dos que consideram que o 25 de Abril não se cumpriu, que vivemos numa espécie de ditadura e que até fazia sentido um novo “golpe militar” ou um regresso ao passado. E sim, não tenhamos dúvidas: existe um mundo de discursos e ações fáceis sobre o estado da nossa democracia.

 

Num espectro comunitário e social mais alargado, a comunicação social ganhou novas características em que, numa velocidade estonteante, a informação se confunde com o entretenimento. Os políticos são consumidos em grandes e pequenos escândalos (e não parece haver qualquer hierarquia entre eles), o que afasta qualquer cidadão medianamente ambicioso da vida política. A rapidez dos media é incompatível com a ponderação que a política exige. Por outro lado, as redes sociais vieram agravar o ambiente em que nos encontramos: disseminando o sensacionalismo, o imediatismo e não raras vezes, a mentira.

 

Por vezes, detemo-nos nas coisas que são necessárias melhorar no sistema democrático e esquecemos o progresso que alcançamos no sistema político, na cidadania, na economia, na demografia, na educação, na saúde, no ambiente, nas redes de transportes, nas comunicações, no acesso a bens e serviços, etc. As evidências abundam, mas precisamos evocar a memória do que fomos para melhor entendermos o que somos. Esta obrigação é muito importante, sobretudo para as crianças e jovens que, na escola, têm um espaço privilegiado para o seu crescimento como pessoas e como cidadãos.

 

Garantir a Inclusão Digital, promover a literacia digital intergeracional e intersocial e combater o analfabetismo digital entre as diferentes gerações é crucial para dar resiliência à nosso democracia. A tecnologia avança de forma disruptiva e é essencial que todas as pessoas, independentemente da idade e condição social, saibam navegar de forma segura e consciente no mundo digital. O perigo do analfabetismo digital entre as diferentes gerações não é apenas a falta de habilidades básicas para utilizar as ferramentas digitais de forma eficaz, mas também, e mais relevante, a incapacidade de interpretação, identificação e relacionamento com a disseminação de fake news / informações / notícias falsas. A exclusão social, a dificuldade no acesso a informações essenciais e até mesmo a vulnerabilidades no online são fortíssimos fatores de risco que importa descontinuar.

 

Para tal, só temos um caminho: promover a literacia, a inclusão digital intergeracional, garantindo que os mais jovens possam auxiliar os mais velhos no uso das tecnologias e, em simultâneo, os mais velhos podem transmitir-lhes as matizes de Abril e os seus referenciais sociais, condições absolutamente construtoras de pontes entre as gerações, fortalecendo os laços familiares, absolutamente estruturais na projeção da democracia e dos valores de Abril.

 

Nesse sentido, é essencial que todos nós nos mobilizemos para combater o analfabetismo digital, garantindo a todos os nossos concidadãos que tenham as habilidades, as competências necessárias para navegar no mundo digital com segurança e autonomia, construindo uma sociedade mais inclusiva e preparada para os desafios e acompanhamento do ritmo da sociedade moderna.

 

Criar um robusto ecossistema que garanta Coesão Social. A coesão social é fundamental para o desenvolvimento de uma sociedade justa e equilibrada. Para garantir essa coesão, é necessário continuar a implementar políticas sociais que assegurem o acesso de todos os cidadãos a direitos básicos, como habitação, saúde, educação, cultura e serviços sociais.

 

É papel do Estado e da sociedade, como um todo, trabalhar em conjunto para promover a coesão social e garantir que nenhum cidadão seja deixado para trás. Além das políticas sociais tradicionais, é importante também considerar a introdução de elementos como o ambiente urbano, a inovação e a criatividade como parte integrante das estratégias de coesão social. Um ambiente urbano bem planeado e assente em estratégias assertivas contribui para a melhoria da qualidade de vida dos nossos cidadãos, promovendo o seu bem-estar e a sua integração social.

 

Só as políticas sociais adequadas têm o poder de reduzir a pobreza, a exclusão, a vulnerabilidade e marginalização. Têm o poder de promover a igualdade de oportunidades, de garantir o acesso a serviços básicos como saúde e a educação, de proteger os grupos mais vulneráveis da sociedade, de fortalecer o tecido social e promover a solidariedade, a empatia, a cooperação e a construção de redes de solidariedade entre os cidadãos, bem como anular o descontentamento e a instabilidade social. Só através do apoio e ação mútua é que as comunidades se conseguem unir para enfrentar desafios comuns, combater as disparidades, construir um ambiente mais inclusivo e acolhedor e promover progresso para todos.

 

inovação e a criatividade, por sua vez, são elementos essenciais para o desenvolvimento económico e social de uma comunidade, de uma sociedade moderna. Ao incentivar a inovação, por meio de políticas públicas de apoio à pesquisa e desenvolvimento, impulsionaremos a geração de empregos cada vez mais qualificados e o crescimento económico sustentável, beneficiando, nesse sentido, toda a sociedade.

 

 Ao criar espaços urbanos inovadores e criativos, os territórios e as cidades estimulam o crescimento económico, promovem a inclusão social e melhoram a qualidade de vida dos seus habitantes. A inovação no ambiente urbano pode manifestar-se de diversas formas: desde a implementação de novas tecnologias para transformar os territórios e as cidades mais eficientes e sustentáveis, até à criação de espaços públicos que incentivam a interação social e a expressão artística.

 

A criatividade no ambiente urbano pode transformar espaços antes subutilizados em locais vibrantes e dinâmicos. A revitalização de áreas degradadas ou abandonadas pode não apenas melhorar a estética das cidades e dos territórios, mas também criar oportunidades para o desenvolvimento de novos negócios e a promoção da cultura local. É fundamental que todos nós, autoridades locais e sociedade em geral, reconheçamos a importância de introduzir o ambiente urbano, a inovação e a criatividade no planeamento e na gestão dos territórios. Ao implementarmos projetos que valorizam a diversidade cultural, fomentamos a economia criativa e promovemos a sustentabilidade ambiental, garantindo verdadeiros centros de excelência e progresso nas cidades e do país. Este é o dia de referência para abraçarmos esta mudança de atitude e transformarmos cada espaço do nosso concelho num espaço inovador e criativo onde todos vamos prosperar, alcançando o pleno potencial individual e coletivo.

 

Também a robustez da Literacia para a Cidadania é fundamental para promover uma sociedade moderna mais informada, participativa e consciente. Esta competência deve ser desenvolvida em todas as dimensões da vida dos nossos cidadãos. Não deve restringir-se apenas à dimensão política, mas abranger, de forma transversal, a dimensão digital, cultural, social, económica, educacional e de saúde.

 

Desconstruir a ideia de que a cidadania se resume apenas a protestos é fundamental para ampliar a compreensão do que realmente significa ser um cidadão ativo e responsável. A cidadania envolve o respeito pelas leis e normas, a solidariedade com os mais vulneráveis, o cuidado com o meio ambiente, a promoção da igualdade de género e de raça, a defesa dos direitos humanos, entre tantos outros aspetos essenciais para a construção de uma sociedade justa e democrática.

 

Limitando a cidadania apenas à participação em protestos, corre-se o risco de reduzir a atuação política dos cidadãos a momentos pontuais e muitas vezes conflituosos. É preciso expandir essa visão e incentivar a participação ativa em diversos espaços e contextos, seja na escola, no trabalho, na comunidade, nas instituições públicas ou na vida social.

 

Além disso, é importante ressaltar que a cidadania também envolve o exercício da empatia, da tolerância e do diálogo, elementos fundamentais para a convivência harmoniosa em sociedade. A capacidade de ouvir o outro, de respeitar o diferente e de procurar soluções coletivas são aspetos essenciais da cidadania que vão além da simples expressão de descontentamento em manifestações públicas.

 

Ser um cidadão ativo e engajado requer um compromisso constante com os valores democráticos, a ética e a justiça social. É preciso ampliar a nossa visão e assumir a nossa responsabilidade individual e coletiva na construção de uma sociedade mais justa e igualitária para todos. Contudo, não podemos ignorar que parte significativa da cidadania atual tem uma agenda pré-estabelecida, que nem sempre é do interesse de todos nós. É importante questionar e desconstruir essa agenda, de forma a garantir que os direitos e interesses de todos sejam realmente representados e defendidos. Desconstruir essa agenda significa questionar quem realmente beneficia das políticas em vigor, quem tem voz e vez nas decisões que nos afetam a todos. Significa também reivindicar a participação ativa de todos os cidadãos na construção de uma sociedade mais inclusiva e justa. Devemos questionar os privilégios e as injustiças presentes na nossa sociedade e lutar por mudanças que promovam a equidade e a solidariedade.

 

Os nossos concidadãos exigem, e é responsabilidade de cada um de nós, questionar o status quo, exigir mudanças reais e comprometer com a construção de um Portugal melhor para todos.

 

É importante reconhecer que, como membros de uma sociedade, temos a responsabilidade de participar ativamente na construção de um Portugal e Mundo melhor para todos.

 

Uma cidadania ativa implica estarmos cientes dos problemas e desafios que enfrentamos como sociedade e procurarmos soluções para as questões que nos preocupam a todos, que são de todos e não apenas de alguns. A cidadania também envolve a promoção da justiça social e dos direitos humanos. E, sim, devemos lutar contra todas as formas de discriminação. Todos devemos ter acesso igualitário a oportunidades de educação, emprego e saúde. Devemos ser conscientes das nossas ações e procurar formas de reduzir o nosso impacto no planeta, já que a preservação da natureza é essencial para garantir um futuro sustentável às próximas gerações.

 

Este é também o tempo de continuar a sonhar, de acreditar que somos capazes de construir uma sociedade aberta ao futuro, verdadeiramente desenvolvida, e que a cidadania participativa é capaz de transformar positivamente todo o nosso potencial coletivo.

 

Relembrar, recordar, celebrar, implantar os valores de Abril nas novas gerações é assumir e dar espaço ao imaginário sobre a ação dos Capitães de Abril e de um conjunto de outros militares, políticos e anónimos que contribuíram para o seu sucesso, mantendo a lucidez e a resistência a ações externas e radicais que, tal como no passado e hoje, mais não pretendiam e pretendem do que ignorar os Valores de Abril.

 

Importa reforçar que a Revolução dos Cravos continua a representar a esperança de um futuro melhor e mais justo e igualitário para todos nós, a significar progresso e desenvolvimento, dando voz a todos os portugueses, à democracia e aos valores da igualdade e da justiça, garantindo a liberdade de expressão e o direito à participação política.

 

Abril aconteceu para unir e não para desintegrar ou estabelecer hierarquias sociais e políticas. Não é um modelo de país ou sociedade acabado, porque o desenvolvimento e a igualdade estão continuamente em mutação. Importa que tenhamos memória, inteligência coletiva e audácia de dar continuidade a este processo e valor! Depende de cada um de nós, porque Abril não é de ninguém, continua a ser de todos.

 

Este é o momento de manifestar gratidão, respeito e honrar a memória daqueles que lutaram pela liberdade. É o momento para renovar e reafirmar o compromisso de defender os ideais democráticos que são a bússola do nosso país e um símbolo de esperança e inspiração para as gerações futuras. Juntos, continuaremos a cuidar e a projetar os valores de Abril. “

 

O Presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo

 

Luís Nobre

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